domingo, 23 de março de 2008

Crônica I

O Dia da Invenção do Sonho


Era um povoado sem muitos atrativos. As pessoas acordavam cedo, logo se vestiam e seguiam para um longo dia de trabalho. As coisas tinham ficado assim desde que por lá passou uma certa revolução, que mudou hábitos e costumes de uma gente antes festeira, agora muito preocupada com o trabalho e o dia de amanhã.

Todos sabiam dos seus deveres! Era obrigação conhecida das crianças manter toda a casa em ordem, muito antes é claro do horário de ir para a escola. Na escola, elas eram preparadas para, em breve, serem novos adultos. Nas escolas que eram ensinados os segredos de uma vida séria. Na escola ninguém brincava.

Aliás, a brincadeira havia sido abolida do código das coisas permitidas. Já que brincar não produz nada que possa ser vendido, ou ao menos mostrado aos outros, isso era totalmente inútil.

Os jornais daquele povoado também não deixavam por menos. Em meio à uma gente tão séria, o resultado não poderia ser outro: recordes na produção de alimentos e industrial, resultados escolares exemplares para jovens e crianças, e, outro dia, uma manchete anunciava que não seria mais necessária a separação entre o jardim da infância e a faculdade, pois desde o seu ingresso no mundo escolar a criança já aprenderia a ser um bom adulto.

Mas para manter tanto sucesso as condições eram bem claras. A música era proibida em todos os lugares, e, consequentemente, a dança. A música traz asas aos pés e como todos já sabiam, o melhor lugar para se ficar era a terra e sua realidade. Por isso, foi melhor abolir a música, a dança e todos os instrumentos. Além do mais, quem ama algo como a música não pode ser muito sério mesmo!

No entanto, a proibição maior era em relação aos sonhos. Quem sonhasse seria obrigado a recorrer a Deus e confessar ao sacerdote tamanho pecado. Se alguém não fizesse assim e mais tarde fosse descoberto (o que era fácil porque os sonhos sempre são descobertos) seria punido com a morte.

- “Sonhar engorda!” Ensinavam as professoras de “Introdução à Seriedade Absoluta”, nas escolas repletas de olhinhos sonhadores. A televisão exibia publicidade que provava os sonhos como coisas inúteis, já que não podiam ser vendidos nem trocados por algo de valor.

Em conseqüência disso, os confessionários viviam lotados de gente. Muitas crianças, centenas de adolescentes, milhares de jovens. Muitas mulheres: “mulheres sonham mais do que os homens, basta notar como ficam preocupadas em não engordar”, explicavam os sacerdotes. À medida que os anos iam passando, homens e mulheres iam cada vez menos se confessar. É que a verdadeira maturidade lança fora os sonhos e acaba mostrando o que verdadeiramente tem valor. Depois da idade adulta, eram magros e tristes!

Tudo ia assim tão bem (ou mal) naquele povoado até que passaram por lá pessoas que procuravam uma certa frutinha, boa para se fazer doce, que segundo informações só poderia ser encontrada naquelas terras.

A notícia logo se espalhou entre os moradores do povoado.

- “Mas como? Doce? Doce engorda!” Reagiu um dos mais antigos moradores.

- “Não. Doce não engorda. O que engorda é sonhar!” Respondeu com pressa um dos melhores alunos da escola (a)normal.

E logo a confusão estava instaurada. Descobriram que havia duas coisas que podiam engordar, ou não, porque as opções variadas são filhas da dúvida. Nas esquinas, nos botecos, nos bancos e até nas temíveis escolas a discussão era somente uma: o que na verdade engorda?

Quando aqueles curiosos pela misteriosa frutinha foram embora por não agüentar tanta discussão, os moradores do povoado ainda ficaram com a dúvida. Resolveram fazer um teste! Naquela noite sonhariam e não confessariam no dia seguinte. Caso passassem a engordar subitamente, como tinham aprendido na escola, correriam para a penitência. Mas se isso não ocorresse, dariam uma grande festa.

A cumplicidade trouxe de volta o sorriso nos rostos cansados de tanta seriedade. Quem é cúmplice de alguém sabe que os olhos brilham como estrela que não quer apagar. Era assim que se sentiam aqueles sonhadores. Seria uma noite inesquecível!

Para que o sonho viesse seria preciso convidá-lo. Tinham que realizar seus maiores desejos pois o sonho só aparece quando o coração está feliz. Com ele o coração engravida e faz parir o dia. Sonhos realizados são dias que vem à luz de um coração fecundado pelo desejo.

Assim, alguns cantaram canções, outros visitaram seus amores antigos e atuais. Também não faltaram declarações de amor antes nunca escritas, que só têm valor na forma da palavra; segredos confessados, tudo justo para o advento do sonho...

No dia seguinte se encontraram na praça. Compartilharam seus sonhos entre si e nada aconteceu com eles. Riam ao descobrir que na verdade nunca tinham contado seus sonhos a ninguém, mesmo no confessionário, porque sonho só se consegue contar a quem se ama! Resolveram organizar uma festa!

Para a festa foi feito um doce especial. Deram a ele o nome de Sonho. Se você procurar bem, ainda poderá encontrar deste doce por aí, nos comércios ou nas casas. Mas se você procurar com mais cuidado, também vai achar pessoas tão especiais que adorarão ouvir seus sonhos, prontas a engordar seus olhos de alegria!

Paulo Roberto Pedrozo Rocha