domingo, 13 de junho de 2010

Preferir o Beijo ao Sofrimento!

Com a beleza que só a triteza e a paixão sabem decantar, a tragédia romântica Romeu & Julieta, escrita por Shakespeare, comove a todos que assistem sua exibição ou lêem seus versos. No final, a desesperada Julieta, amante de todas as horas e habitante do devaneio dos sonhos de Romeu, acorda em meio a uma trama. Vê seu amado morto. Bebera veneno.

Há um gesto de desespero. Quer morrer também. Lança seu corpo sobre o de Romeu e beija-lhe os lábios. Imagina que neles ainda poderá restar um pouco de veneno, capaz de trazer a felicidade, a felicidade da partida.

A poesia é bela, a trama também. Na imagem do poeta o beijo é sinal de alegria e de dor. Do beijo, tão sonhado em outros tempos, como sinal de alento e encanto, advém agora a única possibilidade de carregar a felicidade: o amor que é inerente à morte.

Mas não é de morte que falam os romances. Eles falam de eternidade. Os beijos são próprios do infinito; eles povoam os lugares de eternidade, entre o amor e a morte. São sempre especiais.

O valor de um beijo está em saber diferenciá-lo das coisas cotidianas. Como sabemos, os beijos são eternos. As coisas eternas têm que marcar, passam além da barreira do tempo, ultrapassam o esquecimento. O mundo das coisas eternas é sombrio e misterioso. Assim o descrevia o poeta Robert Frost: "...há mundos sombrios e misteriosos, tais como os desertos que escondem em si os segredos das moradas dos deuses." Nele, habitam segredos e mistérios: beijos e sofrimentos.

Curioso notar que o sofrimento é um dos mais nobres habitantes do mundo das coisas eternas. Nos poemas e romances, o sofrimento tem que parecer eterno, para sempre, senão não tem valor. A magia está justamente em transformar a eternidade do sofrimento em possibilidade de um fim. Quando se vê uma chance para que o sofrimento tenha fim, poeticamente a humanidade faz habitar neste lugar (também de coisas eternas) um outro infinito: chamam-no de Esperança. A esperança é isso: saber que o encantdor sofrimento pode ter um fim.

Esperança não combina com certeza. A certeza é dura, fria, acabada. Ninguém tem certeza da esperança. Todos sabem que ela existe, mora na possibilidade do fim do sofrimento, mas como é uma possibilidade, tem o seu valor em poder fazer sonhar, vislumbrar com olhos do coração a razão de sua existência.

O final de Romeu & Julieta acaba sendo muito especial: mistura o beijo com o sofrimento, duas das mais notórias eternidades.

Desde então há pessoas que trazem as marcas destas coisas eternas. São como beijos e sofrimentos, são especiais, são eternas. Fazem poemas porque não sabem (ou não podem) falar. Elas têm em comum o ensinamento dos poetas, como este de Ricardo Reis: "Segue o teu destino, rega as tuas plantas, ama as tuas rosas. O resto é a sombra de árvores alheias...porque a realidade sempre é mais ou menos do que nós queremos..."

São pessoas especiais, que nos ensinam preferir o beijo ao sofrimento, mas que quase sempre terminam com os dois.

Paulo Roberto Pedrozo Rocha