quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Renúncia: a arte de dizer sim!


Quem lida com as ciências humanas está sempre na iminência de acreditar que um dia será descoberta a fórmula que desperta o amor. Só que o exercício para tanto se faz ao contrário. Enquanto as grandes descobertas precisam avançar nas pesquisas para que cheguem a um termo, o amor precisa olhar para trás e revisitar o passado a fim de  que entre a nostalgia e a saudade se encontrem suas causas.

Moram no passado as histórias e estórias mais especiais e significativas. Quem ama pode saber que está amando quando tenta reproduzir no presente, a graça e a fascinação do que já passou. É preciso coragem para amar; é preciso coragem para visitar o passado sem medo de seus encontros.

A poesia sempre cantou que o amor exige renúncia. É verdade. Para amar é preciso aprender a dizer não a seus próprios desejos e ver na alegria do outro o objetivo da própria felicidade. Na Bíblia, há uma história de amor e renúncia. A história de um homem, feliz porque tivera um filho. O nome deste homem era Abraão que significa “pai de uma multidão”. Seu nome era uma variante da expressão “o pai ama”. Assim era a vida do amante Abraão. Tinha amor até no nome.

Seu filho era especial: Isaac. O nome do garoto veio de uma brincadeira. Significava sorriso. Sua mãe, Sara que quer dizer princesa, sorrira quando soube que mesmo depois de muitos anos viria a conceber seu primeiro filho. Daí o nome da criança: sorriso que em hebraico se diz Isaac.
       
Os nomes são importantes. Eles são palavras especiais pelas quais designamos os corpos que amamos. Todas as vezes que dizemos o nome de quem amamos nosso corpo estremece todo e passamos a pensar com o coração. E o nome quando encontra o amor é ainda mais especial. O amor quando é desejado e esperado por longo tempo se faz ainda mais forte. Quem sonha com alguém durante muito tempo sabe que as noites são excelentes companheiras e ao encontrar seu amor as estrelas mesmos infinitas serão insuficientes para guardar tanta alegria. Esta é também a história de Abraão e Isaac.
       
Um dia, segundo o texto bíblico, Deus pede a Abraão que este entregue seu filho ao sacrifício. À época da redação do texto, alguns religiosos praticavam o sacrifício dos primogênitos para agradar seus deuses. Não era o caso de Abraão, mas mesmo assim Deus faz o pedido. Então, Deus parece ser cruel. Pedir a alguém tamanha “prova de amor”, para que?
       
Renúncia. Esta é a palavra que marca a relação de amor. Renunciar é a arte de dizer sim ao outro, mesmo que isto signifique fazer adormecer os próprios desejos e sonhos.  A renúncia aponta para um caminho a ser trilhado, uma vereda de descobertas onde se é guiado pela surpresa e pelo inusitado de cada dia.
       
Abraão caminha com seu filho até o lugar indicado e se prepara para a entrega. Antes de imolar a criança, uma voz irrompe do céu e faz cessar o martírio. A voz vem de Deus e anuncia que para amar não é preciso sofrer até à morte. Ao ver que Deus interrompeu seu martírio, Abraão chamou aquele lugar de “O Senhor vê”. Aí está a verdadeira manifestação do amor.
       
Quem ama vê de maneira especial. Olha com carinho e o simples olhar já faz parar de sofrer. O olhar carinhoso de Deus serviu também para eliminar um conceito estranho às coisas do amor: a prova. Se alguém pede uma prova de algo é porque o que está sendo testado pode ser falso. O amor nunca pode ser falso. O amor dispensa provas.
       
Abraão era itinerante, como itinerantes são os olhares daqueles que amam. Ele vivia da promessa de um encontro da mesma maneira que os olhares e os nomes dos amantes vivem à espera da fugacidade do rever. Abraão iria amar a vida, sua mulher, os filhos, a terra. Terra que ele buscava na forma de uma promessa.
       
Curioso descobrir que o primeiro título de propriedade da terra sonhada por Abraão foi conseguido para sepultar Sara, sua princesa. Makpelá era o nome do lugar. Mais uma vez o passado, que faz das estórias de amor, histórias de vida. E assim como acontece na morte, é preciso invocar a ausência para fazer o coração bater mais forte e, às vezes, até sorrir.
       
Invocar a ausência; chamar pelo nome; silenciar; chorar/sorrir. São coisas que fazem o amor, que provocam a busca, a procura; coisas que nos tornam itinerantes no encontro de uma promessa, por vezes escondida no passado, perdida no futuro, e quase sempre silenciosa no presente. Quem lida com as coisas do coração está sempre na iminência de desacreditar que um dia será descoberta a fórmula que desperta o amor.