domingo, 22 de setembro de 2013

O Feitiço Contra o Feiticeiro

Quando Rousseau escrevia a Voltaire, em 1756, a “Carta sobre a Providência”, descrevia da seguinte forma sua  relação com a poesia: “...não vos direi que tudo me parece igualmente bom; mas as coisas que me desagradam nos poemas só aumentam a minha confiança naquelas que me extasiam...”. Para Rousseau, a poesia tinha efeitos mágicos de agradar mesmo quando o texto era passível de algum desprezo. Na poesia a singeleza do que é belo supera em muito a deficiência do que não pode ser compreendido.
Difícil lição que está diante dos olhos. Apaixonar-se de tal modo que a beleza supere em muito a incompreensão. Não é assim que acontece no mundo das coisas sensíveis. O que nos desagrada supera em muito as virtudes. Algumas pessoas são lembradas por seus defeitos, mesmo que pequenos, mas sempre marcantes. O segredo está em tornar pessoas iguais a poesias.
Para imaginar é fácil: quem sabe fosse possível fazer uma poção. O que você colocaria numa poção que quisesse tornar pessoas em poesias? É claro que a fórmula irá variar de caso a caso, mas não custa tentar.
Uma pitada de simplicidade. Poesia para ser poesia tem que ser simples. As complicadas equações não conhecem o sabor do poético. A fórmula levaria também uma despretensiosa quantidade de verdade. Ninguém se pergunta sobre a verdade de uma poesia: ela é bela e pronto. Pessoas que detém o dom da certeza da verdade terão dificuldades em beber desta fórmula; a certeza da verdade é o antídoto da poesia.
Poções mágicas têm que ter sabor. O efeito por si só não é suficiente. O sabor tem que ser agradável pois a magia tem que chegar primeiro nos lábios, é como o amor que tem nos lábios o caminho para o coração. Na poção da poesia o sabor pode ser qualquer um, desde é claro que não seja “diet”. A poesia não admite sacrifícios.
Depois de tudo pronto chega a hora de descobrir se é eficaz. O mago que manipula a poção poética tem que se reconhecer nela. Ao olhar para o fundo do copo tem que ver seu rosto refletido. A poesia é o desejo do reflexo do rosto de quem escreve no coração de quem lê. Esta é a fórmula da magia poética.
Finalmente está tudo terminado. A poção deve ser oferecida a quem desejamos tornar o ser em poesia. Após o último gole o resultado não pode ser outro: nenhuma alteração. Quem bebe fica exatamente como estava antes.
Este é o último segredo: a poesia é a arte de fazer descobrir no outro a beleza de ser como ele é. Quem quer mudar alguém não faz poesia mas sim bruxaria. A poesia é o encantamento constante que se dá com quem amamos. Não é à toa que os escritores sagrados usaram a poesia para fazer teologia. Isso é teologia: compreender Deus em sua beleza natural.
A poção poética só faz efeito nos olhos de quem a prepara. Aspira seu cheiro, respira esperança, mexe os ingredientes durante o sonho. A poção poética revela o lado gostoso do ditado que diz que “o feitiço virou contra o feiticeiro”.