É
possível olhar o entardecer e ver nele cores especiais. É como se o cinza que
anuncia a escuridão da noite tivesse poderes enigmáticos, de encantar os olhos
e acalentar a esperança.
Dessa
forma, o entardecer se reveste de poesia. No poema bíblico da criação, está
dito que a cada dia de trabalho, Deus conhecia um coroamento de sua obra, com o
entardecer, anunciando a noite e o fim de mais uma etapa da criação.
Nem
mesmo Deus resistiu às cores e ao encanto proporcionados pelo entardecer. O
entardecer não foi criado, não fazia parte das obras feitas por Deus, ele já
estava lá, fazendo companhia ao primeiro dia e no último, brindou com singeleza
anunciando que era momento de descansar.
Na
sabedoria própria dos poetas, o narrador do texto bíblico descreve assim o
primeiro entardecer: “Disse Deus haja luz
e houve luz...houve também tarde e manhã, o primeiro dia... (Gn 1:5)”. Curiosos que o encanto do entardecer é
tamanho que sugere uma mudança na ordem das coisas: veio tarde e manhã. Esta é
uma das belezas do poema da criação: deixar-se encantar pelo belo, mesmo que
ele sugira o absurdo, fazendo por exemplo a tarde preceder a manhã na ordem de
um dia. Isto na verdade é a poesia. Ser poeta é deixar-se encantar pelo mundo
que pode ser mudado.
O
autor do poema da criação teve seu olhar comprometido com a sedução do
desconhecido. O entardecer é belo porque revela o desconhecido, anuncia que a
noite, que está prestes a chegar trará seus encantos e enigmas.
Mais curioso ainda é saber que cada um carrega em si um entardecer. Nossos corpos são mistérios, cores e poesias. Fechando os olhos, os entardeceres poderão ser vistos e até sentidos, fazendo com que olhares lancem pelo mundo afora as cores do entardecer.
Talvez seja por isso que toda paixão começa pela troca de olhares: a troca das cores de um enigma, a sedução de um mundo desconhecido, que anuncia o encanto da noite e a beleza do alvorecer, propriedades só encontradas num bom entardecer nos corações!