domingo, 25 de outubro de 2009

Uma Alegria Acompanhada

Mas o que é o amor? Perguntava Baruch Spinosa em seu livro Ética. A resposta, ainda que sugerida, era: O amor é uma grande alegria acompanhada da ideia de uma causa exterior. Não pode haver amor sem que os olhos imaginem a figura daquele que se ama. Não há amor solitário, amor de si. A este, chamam de egoísmo.

Ao ler o poema escrito na primeira carta dos Coríntios, capítulo 13, encontramos uma fala sobre o amor. Poema que já tematizou outro poeta, Camões, em uma quadra do Lusíadas. Amor que os gregos conheciam em três diferentes versões, todas igualmente enigmáticas e encantadoras.

A primeira destas versões é o amor que indicava a necessidade de possuir: Eros. Platão declara no Banquete: O que não tenho, o que me falta, o que está fora de mim, estes são os objetos do amor... O amor erótico é o amor que precisa possuir, que o é justamente porque encontrou no outro aquilo que faltava, o que dá sentido à vida. No mundo de Eros é preciso possuir; nele deuses como ciúmes e a ausência são alimentados. Alimentados e temidos.

Mas há outro modo de falar sobre o amor: philia. Este é um amor que prefere a fidelidade à posse. Sua melhor tradução para o português é amizade. Para ser amigo, é preciso amar, é preciso ser fiel. Se Eros induz à paixão, ou seja, ao sofrimento, philia conduz ao prazer: Amar é regozijar-se, ensinava Aristóteles.

Um terceiro modo de pronunciar amor ainda é dito no mundo dos gregos: agápe. Este é um amor supremo, capaz de superar as limitações impostas pela posse ou pela fidelidade: é amor enquanto amor, é amor dos deuses.

Mas o que acontece com a alegria, identificada pelo amor, quando não há a ideia de uma causa exterior? O que é o amor quando não há alguém para ser lembrado? Sem a causa exterior, o amor se transforma em melancolia. A melancolia é o mal que aflige os amantes que não têm a quem amar.

No mundo da teologia, o falar sobre os deuses, há um bom exemplo disso. Mas o que amo quando digo que amo o meu Deus? Perguntava inquietamente o teólogo/poeta Agostinho de Hipona. Em palavras doces, como uma declaração de amor, Agostinho respondia: ‘Amo a luz, a voz, o perfume, o alimento e o abraço, quando amo o meu Deus: a luz, a voz, o odor, o alimento, o abraço do homem interior que habita em mim, onde para a minha alma brilha uma luz que nenhum espaço contém, onde ressoa uma voz que o tempo não destrói, de onde exala um perfume que o vento não dissipa, onde se saboreia uma comida que o apetite não diminui, onde se estabelece um contato que a sociedade não disfaz. Eis o que amo quando amo o meu Deus.’

Ainda hoje nosso olhar procura a quem amar. Para uns a fuga da melancolia, para outros a descoberta de que no mundo interior, lá onde as coisas estão bem guardadas há a figura de um rosto que vai sempre lembrar a beleza de um sorriso que denuncia a existência de alguém, tão próximo que mora dentro do ser, lá onde a paixão e a fidelidade se escondem e tramam seus segredos.

Paulo Roberto Pedrozo Rocha

domingo, 14 de junho de 2009

Você conhece algum Pardal?

"Aquele era um país especial! Lugar onde todos tinham um sonho. Ter um sonho torna as pessoas especiais e diferentes; elas passam a viver e a agir de acordo com este sonho. São poetas, artistas...enfim, sonhadores. Na verdade, era mais do que um sonho: era um sonho em comum.
Qual era? Bem, todos sabem que os sonhos não podem ser contados de uma só vez. Eles são enigmáticos e misteriosos: disto vivem os sonhos, de enigmas e mistérios. Naquele lugar todos sabiam que deveriam olhar para a terra e se apaixonar por ela. A terra era a mãe carinhosa que retribuía generosamente os carinhos que lhe eram feitos por seus filhos. No mundo onde todos se encantam com a terra há uma classe especial de pessoas, de magos, feiticeiros dos quais depende o futuro: eram os camponeses.
Difícil imaginar que no mundo da tecnologia e da modernidade alguém ainda escolha o camponês como classe especial. Mas no lugar de que estamos falando, os camponeses sabiam como ninguém acariciar a terra e mostrar como o futuro pode manifestar um 'advento' no presente.
Estes magos camponeses eram mais do que especiais: eram símbolos. Estavam organizados, viviam organizados. Compunham uma espécie de clero chamado 'Liga Camponesa' e nela estampavam um ideal de felicidade. O que é felicidade? Perguntavam os professores às crianças na escola elementar. Felicidade é poder um dia se tornar camponês e aprender a acariciar a mãe terra para viver de seus caprichos e ternuras.
Assim se passavam os dias e os anos. Esta liturgia se repetia a cada geração e o povo daquela pátria partilhava o sonho e o ideal movidos pelo desejo de estar juntos. Até que um dia, algo estranho aconteceu.
Apesar de terem se preparado para enfrentar o inimigo externo, mesmo que este viesse de uma super potência em armamentos de qualquer natureza, os habitantes daquele país descobriram um inimigo inesperado: o pardal. O pardal, embora aparentemente inofensivo, era um inimigo voraz porque comia grãos.
A explicação era bastante simples: no país da magia camponesa, o trabalhador da terra era o sacerdote e o ideal de felicidade. Todo mago, feiticeiro, sacerdote ou religioso (na essência eles se confundem) faz sua magia e desta magia o povo ao seu redor se alimenta. É básico: um apaixonado, por exemplo, é um mago das palavras. As pessoas o ouvem e se alimentam de suas palavras. Esta é a garantia do seu prazer. Assim como o alquimista produz poções mágicas e os feiticeiros fervem em imensos caldeirões sopas de desejos que fazem arrepiar até o último fio de cabelo.
Se o mago é o camponês, o produto de sua magia é o que a terra devolve após ser acariciada, ou seja, os grãos. O pardal vem e rouba os grãos. Traduzindo: o pardal é alguém que rouba os sonhos e muda as coisas quando tudo parecia estar indo bem. Tenho certeza que todos nós conhecemos muito bem esse tipo de pássaro: alguém que rouba o sonho e faz da nossa vida um mundo encantando de surpresas.
Logo, era preciso eliminar esta possibilidade. A solução também foi simples: eliminar todos os pardais. A ordem foi dada e a partir de então, todos os pardais foram mortos e uma lei foi proposta no céu daquele país: nestes ares pardal não voa! Triste pretensão aquela. Pássaros são iguais aos amores. Não é possível dar ordens ou decidir a respeito. Ninguém pode dizer: não voe por aqui!
Depois disso, os camponeses puderam continuar sua magia. O sonho de felicidade nunca se realizou completamente porque, como todos sabem, sonhos se alimentam de desejos e desejos crescem na ausência - só desejamos aquilo que não temos. Por isso, sonhos foram feitos justamente para serem sonhados e não realizados.
Um dia, alguém ouviu lá no fundo da existência uma canção. Era o canto de um pardal adormecido. Este alguém resolveu que era preciso fazer algo: seria possível trazer os pardais de volta? Em outras palavras: era melhor partilhar a alegria inusitada do pardal do que a certeza de um cesto cheio de grãos. Poeticamente: de que vale a segurança se em troca não podemos viver um grande amor?
E eles começaram a voltar. Logo os céus estavam povoados destes voadores. Os magos camponeses até que olharam com encanto. Agora, os símbolos eram outros - os pardais eram sinais de liberdade voando no céu da imaginação; são grandes amores que não podem ser aprisionados (pardais não sobrevivem às gaiolas) e trazem consigo a misteriosa e enigmática insegurança que os torna ainda mais irresistíveis.
Desta vez não foi promulgada nenhuma lei. Apenas uma descoberta: há um pardal morando dentro de cada um. Para revelá-lo, basta silenciar o espírito, fechar os olhos e aceitar a troca da segurança da normalidade pelo inusitado do amor. Com certeza, ele desperto voltará a voar nos céus da imaginação revelando que os amores podem até adormecer, mas uma vez despertos fazem o mundo habitado um lugar muito mais interessante para se viver."
Paulo Roberto Pedrozo Rocha
O socialismo chinês tratou de eliminar os pardais de seu país uma vez que eles eram taxados de 'pássaros nocivos', pois, como eles comiam grãos, seriam nocivos à utopia camponesa que os comunistas queriam construir. Atualmente, alguns ornitologistas trabalham na reabilitação da vida dos pardais na China, entre eles o chinês Zheng Guangmei que ganhou notoriedade após explicar este procedimento e assumir o erro consequente deste modo de atuação.