quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Entardecer

É possível olhar o entardecer e ver nele cores especiais. É como se o cinza que anuncia a escuridão da noite tivesse poderes enigmáticos, de encantar os olhos e acalentar a esperança.
Dessa forma, o entardecer se reveste de poesia. No poema bíblico da criação, está dito que a cada dia de trabalho, Deus conhecia um coroamento de sua obra, com o entardecer, anunciando a noite e o fim de mais uma etapa da criação.
Nem mesmo Deus resistiu às cores e ao encanto proporcionados pelo entardecer. O entardecer não foi criado, não fazia parte das obras feitas por Deus, ele já estava lá, fazendo companhia ao primeiro dia e no último, brindou com singeleza anunciando que era momento de descansar.
Na sabedoria própria dos poetas, o narrador do texto bíblico descreve assim o primeiro entardecer: “Disse Deus haja luz e houve luz...houve também tarde e manhã, o primeiro dia... (Gn 1:5)”.  Curiosos que o encanto do entardecer é tamanho que sugere uma mudança na ordem das coisas: veio tarde e manhã. Esta é uma das belezas do poema da criação: deixar-se encantar pelo belo, mesmo que ele sugira o absurdo, fazendo por exemplo a tarde preceder a manhã na ordem de um dia. Isto na verdade é a poesia. Ser poeta é deixar-se encantar pelo mundo que pode ser mudado.
O autor do poema da criação teve seu olhar comprometido com a sedução do desconhecido. O entardecer é belo porque revela o desconhecido, anuncia que a noite, que está prestes a chegar trará seus encantos e enigmas.
Mais curioso ainda é saber que cada um carrega em si um entardecer. Nossos corpos são mistérios, cores e poesias. Fechando os olhos, os entardeceres poderão ser vistos e até sentidos, fazendo com que olhares lancem pelo mundo afora as cores do entardecer.
Talvez seja por isso que toda paixão começa pela troca de olhares: a troca das cores de um enigma, a sedução de um mundo desconhecido, que anuncia o encanto da noite e a beleza do alvorecer, propriedades só encontradas num bom entardecer nos corações!



sexta-feira, 1 de novembro de 2013

QUE A MORTE SEJA TÃO BELA E VIVA QUANTO A POESIA

A morte exerce um certo fascínio nas pessoas. Ela faz um misto de medo com a expectativa de um final glorioso. Não por acaso, milhares de pessoas celebram o dia de finados. Curioso que os seres humanos tenham “um dia para a morte”.

No entanto, lidar com a morte não é uma das especialidades humanas. Ninguém está preparado para morrer! Por maiores que sejam as evidências, haverá sempre um componente de surpresa diante da morte. Talvez, porque a morte seja uma sublime desconhecida.

A psicanálise diz que há um princípio de morte entre os vivos. É chamado de “tánatos” e ocorre sempre que as pessoas mergulham na ansiedade do dia a dia e passam a viver na expectativa de partir.

Podemos concluir que morte e ansiedade andam juntas. Lembro-me de ter lido um conto de Gabriel Garcia Márquez, cujo nome não consigo recordar, mas que contava a história de um homem que alcançara o elixir da vida eterna, tornando-se isento da morte.

Assistia gerações inteiras que passavam por ele, sem que sequer ele pudesse envelhecer. A monotonia logo tomou conta de seus dias e o eterno vivia com a ansiedade de um dia poder quebrar e por fim descansar.

Mesmo assim, se dependesse dele, o homem não teria inventado a morte. É que ela traz consigo a separação para a qual nunca estaremos preparados. Um dos atrativos maiores do cristianismo, desde os primeiros séculos, foi a ressurreição do corpo. A possibilidade de vencer a morte sem ter que lançar mão da ansiedade.

Acredito que todos nós, pelo menos uma vez, já tenhamos desejado a morte. O espírito do “tánatos” certamente já fez uma visita a cada um. Daí sabermos que há pelo menos dois tipos de morte: a morte desejada e a morte compartilhada.

É que a morte ocupa um lugar em nossa vida. O que poderia parecer um paradoxo é na verdade a mais pura realidade. Como no poema de João Cabral de Mello Neto, “Morte e Vida Severina”: “... aqui se morre um pouquinho por dia”.

Desejamos a morte quando o amor não é mais possível. A sabedoria de Eclesiastes nos ensina que “o amor é mais forte do que a morte”. Assim, quando não há amor o melhor que se tem a fazer é morrer! Nasce, então, a morte desejada e o “tánatos” deixa de ser um impulso e passa a fazer parte do centro da vida.

A morte deixa saudades. Quem quer morrer na verdade está com saudades de si mesmo. Quem tem muita saudade, a ponto de não mais conter dentro de si, passa a compartilhá-la com os outros. Vive a morte compartilhada.

Ao ler este texto certamente você poderá estar procurando descobrir com espanto que tipo de morto você é! Mas o espanto não se justifica porque a morte é coisa muito bela, natureza de poeta que só os versos podem expressar. 

É preciso falar da morte porque quem despreza a morte acaba por esquecer a vida. Neste caso será preciso que inventem um "dia dos vivos". Porque os finados serão celebrados em todos os outros dias do ano.

É isso! 

domingo, 22 de setembro de 2013

O Feitiço Contra o Feiticeiro

Quando Rousseau escrevia a Voltaire, em 1756, a “Carta sobre a Providência”, descrevia da seguinte forma sua  relação com a poesia: “...não vos direi que tudo me parece igualmente bom; mas as coisas que me desagradam nos poemas só aumentam a minha confiança naquelas que me extasiam...”. Para Rousseau, a poesia tinha efeitos mágicos de agradar mesmo quando o texto era passível de algum desprezo. Na poesia a singeleza do que é belo supera em muito a deficiência do que não pode ser compreendido.
Difícil lição que está diante dos olhos. Apaixonar-se de tal modo que a beleza supere em muito a incompreensão. Não é assim que acontece no mundo das coisas sensíveis. O que nos desagrada supera em muito as virtudes. Algumas pessoas são lembradas por seus defeitos, mesmo que pequenos, mas sempre marcantes. O segredo está em tornar pessoas iguais a poesias.
Para imaginar é fácil: quem sabe fosse possível fazer uma poção. O que você colocaria numa poção que quisesse tornar pessoas em poesias? É claro que a fórmula irá variar de caso a caso, mas não custa tentar.
Uma pitada de simplicidade. Poesia para ser poesia tem que ser simples. As complicadas equações não conhecem o sabor do poético. A fórmula levaria também uma despretensiosa quantidade de verdade. Ninguém se pergunta sobre a verdade de uma poesia: ela é bela e pronto. Pessoas que detém o dom da certeza da verdade terão dificuldades em beber desta fórmula; a certeza da verdade é o antídoto da poesia.
Poções mágicas têm que ter sabor. O efeito por si só não é suficiente. O sabor tem que ser agradável pois a magia tem que chegar primeiro nos lábios, é como o amor que tem nos lábios o caminho para o coração. Na poção da poesia o sabor pode ser qualquer um, desde é claro que não seja “diet”. A poesia não admite sacrifícios.
Depois de tudo pronto chega a hora de descobrir se é eficaz. O mago que manipula a poção poética tem que se reconhecer nela. Ao olhar para o fundo do copo tem que ver seu rosto refletido. A poesia é o desejo do reflexo do rosto de quem escreve no coração de quem lê. Esta é a fórmula da magia poética.
Finalmente está tudo terminado. A poção deve ser oferecida a quem desejamos tornar o ser em poesia. Após o último gole o resultado não pode ser outro: nenhuma alteração. Quem bebe fica exatamente como estava antes.
Este é o último segredo: a poesia é a arte de fazer descobrir no outro a beleza de ser como ele é. Quem quer mudar alguém não faz poesia mas sim bruxaria. A poesia é o encantamento constante que se dá com quem amamos. Não é à toa que os escritores sagrados usaram a poesia para fazer teologia. Isso é teologia: compreender Deus em sua beleza natural.
A poção poética só faz efeito nos olhos de quem a prepara. Aspira seu cheiro, respira esperança, mexe os ingredientes durante o sonho. A poção poética revela o lado gostoso do ditado que diz que “o feitiço virou contra o feiticeiro”.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

...AGORA SE CHAMA SAUDADE!

Está escrito por um provérbio hindu que os grandes sonhos nascem dos desejos realizados quase sem querer. No entanto, para possuir um grande sonho é necessário desejar bastante, com a força das coisas que não podem ser vistas; apenas sentidas.
Foi com essa força que, um dia, na calma de um belo jardim nasceu uma flor enigmática. Era enigmática porque não tinha nome. As cores de suas pétalas eram diversas e capazes de encantar mesmo os olhos mais desapercebidos. Ela sabia que era diferente. Isso lha trazia uma tristeza inefável. Sua beleza diferente era capaz de revelar-lhe que um dia, mais cedo ou mais tarde, poderia torná-la triste.
Beleza diferente faz pensar. E pensar é atitude de quem ama. Mesmo que seja um amor próprio. O amor faz pensar; asa vezes isso ocorre depois do amor. Neste caso, o amor faz pensar e sofrer. Mas a flor de beleza diferente passou a pensar em algo que pudesse vencer sua tristeza. Um grande amor! A eternidade!
Aos poucos passou a desejar a eternidade. Sabia que se pudesse ser eterna, sua beleza deixaria de ser efêmera, e com isso, o medo da partida, que assola todas as flores que sabem ser tão belas quanto frágeis, deixaria de existir. Quem deseja a eternidade tem gostos estranhos e passar a ver as coisas que ninguém mais vê. A flor, por exemplo, era capaz de enxergar o mar de dentro do jardim. O mar é lugar do desconhecido, do medo, da solidão, que se torna companhia. Desejava a eternidade, por isso amava o mar e seus mistérios.
De tanto desejar a eternidade, a flor resolveu levar seu pedido ao criador. No mundo das flores, Deus é uma grande flor, com cores sedutoras, mas de beleza infinita. Isso faz a diferença. Quando o criador ouviu o pedido daquela pretensiosa flor entristecida pela possibilidade do amanhã, prometeu pensar no assunto. Aí já estava uma amostra de que o criador era um ser apaixonado. O amor faz pensar. Só pensamos em quem amamos.
Após muito pensar como carinho da ausência no pedido da flor, o criador resolveu atendê-lo.

-“Para que você seja eterna, é preciso que não habite mais os jardins. Os jardins são belos justamente porque as flores são frágeis. “Hoje brilham e amanhã encantam os olhos com a beleza do adeus, disse o criador, ensinando que há belezas que são sedutoras justamente porque um dia terminam. – Para ser belo e eterno será preciso descobrir que a verdadeira beleza está na distância e na certeza que ela produz de que mesmo longe haverá alguém a morar nos sonhos de outra pessoa. Vou transformá-la numa estrela. Assim, todos poderão olhar para o céu e saber que você estará lá, mesmo quando não puder ser vista. “Amar sem poder ser visto ou tocado é o segredo da eternidade”.

Se esse era o preço da eternidade, a flor resolveu aceitar. Agora ela era uma estrela. Habitava o céu, e, às vezes, olhava com a ternura da ausência seu jardim de beleza passageira. Mas sabia que era eterna. Suas cores vibrariam para sempre. Os apaixonados poderiam olhá-la, descobrindo que há um amor que é eterno.
Mas ainda faltava uma coisa. Precisava de um nome. O nome é uma palavra mágica, que, quando pronunciada, evoca espíritos agitadores no interior das pessoas. Ninguém fica indiferente ao nome. Ele faz amar ou traz a revolta. Quem é eterno precisa de um nome.
Foi por isso que a flor/estrela, que acabara de descobrir a eternidade, foi novamente ao criador. Agora, para pedir um nome. E o criador mais uma vez prometeu pensar. Com isso, o criador ensinava em gestos silenciosos que o amor só faz aumentar. Quem pensa uma vez pensa outra e outras tantas mais que forem necessárias.
Resolveu atender. Daria à flor/estrela um nome que quando pronunciado evocaria mistérios e paixões. Algumas culturas seriam incapazes de resumir este nome em uma só palavra. Inventariam canções, falariam de amor, regariam com lágrimas sua expressão. A flor/estrela ganharia um nome que fosse capaz de transformar os ouvidos que o compreendessem. O criador resolveu chamá-la de saudade.
É possível que ao olhar para o céu você encontre a sua estrela/saudade. Ela estará lá, mesmo que não possa vê-la. É bom saber que ela existe, com sedução eterna, solidão que faz companhia, amor que não se diz em palavras e uma beleza que se expressa para sempre, mesmo que seja nas cores do adeus. Ela estará lá!
Paulo Roberto Pedrozo Rocha

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

A Estranha Beleza do Adeus.

Você já visitou o seu passado? É sério, aliás o nosso passado é coisa séria, que mexe com a gente e raras vezes consegue arrancar um sorriso. Por melhores que tenham sido nossos dias, quando revivemos nosso passado, ele sempre vem na forma da dor.

Isso revela nossa dificuldade em lidar com a saudade. Alguns têm saudades de pessoas, outros de lugares ou figuras. Alguns teólogos modernos (será que existem teólogos modernos ou a teologia é coisa do passado?) dizem que é possível, ou melhor, é preciso sentir saudades de Deus.

A propósito, sentimos saudade ou saudades?

O dicionário define saudade como “lembrança de um bem passado, nostalgia”. Para saudades: “lembranças que se dirigem a pessoa ausente”. Que bom, mais uma vez as palavras brincam com nossos sentimentos.

Gosto de lembrar que fomos feitos no plural. Nosso Deus não quis estar só ao gerar o ser humano: “Façamos o homem...(Gn 1:26)”. Sentimos saudades de algo que gostamos, e saudades de quem amamos. Quando falamos de pessoas, falamos no plural.

Aprendemos que não podemos viver de saudade, mas que devemos viver com saudades. Isso tudo aprendemos através da magia das palavras.

Assim, quem vive com saudades sabe valorizar um adeus e logo transformá-lo num desejo de voltar. E descobre que o adeus também é belo. Belo porque deixa saudades!

Você tem saudades?

domingo, 9 de junho de 2013

É Ausência e Ponto!

Vivemos tempos de algumas incertezas. Perdemos muitas vezes nossos valores na busca da construção de alguns ideais. Quase sempre estamos envolvidos em grandes projetos, nos preocupamos com grandes coisas e acabamos por esquecer a beleza e simplicidade que residem nos pequenos gestos e nas formas mais frágeis da vida!

Se aproxima o dia dos namorados! Certamente será lembrado por muita gente ou propositadamente esquecido por outros! Será que esquecer de propósito não é também uma forma de lembrar?

Nada mais terrível que o silêncio em resposta a uma pergunta. O vazio que o silêncio evoca quando nosso desejo aponta para uma palavra-resposta é quase sempre avassalador. O vazio do silêncio é o símbolo de um desejo frustrado. O silêncio só é bom quando é desejado, mas, aí deixa de ser silêncio e passa a ser uma fala interior.

Ausência. Ausência também é uma forma de amor! É como um ponto que marca um fim de período. Aliás um ponto pode significar muitas coisas: numa frase pode ser o fim de um período ou também um sinal que uma fala por ele interrompida irá recomeçar imediatamente! Gosto de pontos. Gosto de coisas que podem significar outras além delas próprias.

Mas falava de ausência. Para amar é preciso sentir ausência, é preciso que se saiba que quem amamos faz falta. A saudade é uma dor necessária porque ela aponta justamente para a ausência. Saudade é ausência e ponto.

Contudo ausência não é um mero vazio. Qualquer um poderá notar que algo mora na ausência: seja uma imagem, um vulto, cores ou um desejo. Ausência só existe para lembrar que o que nossa memória chama de ausência não pode desaparecer. É infinito. Só sentimos ausência do que amamos. Na ausência amamos e ponto.

Mas mesmo assim há um desafio: sentir ausência sem dor. Deste fato nunca tive notícia, porque acredito que a ausência seja o lado dolorido do amor. Ausências são pontos de dor, que calam forte, não medem distâncias, desconhecem palavras e a que não se pode por um ponto, não porque seja impossível ver seu final, mas porque se tem medo de que comece de novo. E ponto!...

sábado, 1 de junho de 2013

Sobre Criar e Desejar...

Há nas narrativas da criação, encontradas nos capítulos iniciais do livro do Gênesis, algo de especial. Algo que está além da compreensão empreendida pela razão, capaz de simular na própria fé um dado novo.

Lemos nos textos que há oito obras da criação, divididas em seis dias de trabalho. Mas logo no início há um detalhe especial: "No princípio criou Deus os céus e a terra. A terra porém era sem forma e vazia e havia trevas sobre a face do abismo. O Espírito de Deus pairava sobre as águas."

O vazio informe, o espírito que pairava sobre o caos, o desenho espelhado de um Deus que brinca com este vazio, sua imagem...coisas que produzem um silêncio aterrorizante.

Pairar, voar vagarosamente. O Espírito de Deus brincava com o silêncio inicial. Era o primeiro gesto da criação, que não estava medido em dias, estava além do tempo.

Uma palavra rompe o silêncio. "E disse Deus: haja luz. E houve luz." A palavra passa a criar. Há uma íntima relação entre a palavra e a ação criadora de Deus. Tudo se faz pela palavra e sem ela nada do que foi feito se fez.

Assim como um poema é mais do que a beleza de sua estilística, a criação é mais do que a simples beleza da forma: o poema para ser de fato poesia precisa transmitir o sentimento,  é preciso que ninguém fique indiferente após ouvi-las.

O texto poético da criação reserva ainda outra curiosidade: enquanto as trevas mencionadas no início não passam de contraposição à luz, os astros vêm demonstrar que há a luz da noite, ou seja, que mesmo em meio à noite é possível orientar-se.