Quem
lida com as ciências humanas está sempre na iminência de acreditar que um dia
será descoberta a fórmula que desperta o amor. Só que o exercício para tanto se
faz ao contrário. Enquanto as grandes descobertas precisam avançar nas
pesquisas para que cheguem a um termo, o amor precisa olhar para trás e
revisitar o passado a fim de que entre a
nostalgia e a saudade se encontrem suas causas.
Moram no passado as histórias e estórias
mais especiais e significativas. Quem ama pode saber que está amando quando
tenta reproduzir no presente, a graça e a fascinação do que já passou. É
preciso coragem para amar; é preciso coragem para visitar o passado sem medo de
seus encontros.
A poesia sempre cantou que o amor exige
renúncia. É verdade. Para amar é preciso aprender a dizer não a seus próprios
desejos e ver na alegria do outro o objetivo da própria felicidade. Na Bíblia,
há uma história de amor e renúncia. A história de um homem, feliz porque tivera
um filho. O nome deste homem era Abraão que significa “pai de uma multidão”.
Seu nome era uma variante da expressão “o pai ama”. Assim era a vida do amante
Abraão. Tinha amor até no nome.
Seu filho era especial: Isaac. O nome do
garoto veio de uma brincadeira. Significava sorriso. Sua mãe, Sara que quer
dizer princesa, sorrira quando soube que mesmo depois de muitos anos viria a
conceber seu primeiro filho. Daí o nome da criança: sorriso que em hebraico se
diz Isaac.
Os nomes são importantes. Eles são
palavras especiais pelas quais designamos os corpos que amamos. Todas as vezes
que dizemos o nome de quem amamos nosso corpo estremece todo e passamos a
pensar com o coração. E o nome quando encontra o amor é ainda mais especial. O
amor quando é desejado e esperado por longo tempo se faz ainda mais forte. Quem
sonha com alguém durante muito tempo sabe que as noites são excelentes
companheiras e ao encontrar seu amor as estrelas mesmos infinitas serão
insuficientes para guardar tanta alegria. Esta é também a história de Abraão e
Isaac.
Um dia, segundo o texto bíblico, Deus
pede a Abraão que este entregue seu filho ao sacrifício. À época da redação do
texto, alguns religiosos praticavam o sacrifício dos primogênitos para agradar
seus deuses. Não era o caso de Abraão, mas mesmo assim Deus faz o pedido.
Então, Deus parece ser cruel. Pedir a alguém tamanha “prova de amor”, para que?
Renúncia. Esta é a palavra que marca a
relação de amor. Renunciar é a arte de dizer sim ao outro, mesmo que isto
signifique fazer adormecer os próprios desejos e sonhos. A renúncia aponta para um caminho a ser
trilhado, uma vereda de descobertas onde se é guiado pela surpresa e pelo
inusitado de cada dia.
Abraão caminha com seu filho até o lugar
indicado e se prepara para a entrega. Antes de imolar a criança, uma voz
irrompe do céu e faz cessar o martírio. A voz vem de Deus e anuncia que para
amar não é preciso sofrer até à morte. Ao ver que Deus interrompeu seu
martírio, Abraão chamou aquele lugar de “O Senhor vê”. Aí está a verdadeira
manifestação do amor.
Quem ama vê de maneira especial. Olha com
carinho e o simples olhar já faz parar de sofrer. O olhar carinhoso de Deus
serviu também para eliminar um conceito estranho às coisas do amor: a prova. Se
alguém pede uma prova de algo é porque o que está sendo testado pode ser falso.
O amor nunca pode ser falso. O amor dispensa provas.
Abraão era itinerante, como itinerantes
são os olhares daqueles que amam. Ele vivia da promessa de um encontro da mesma
maneira que os olhares e os nomes dos amantes vivem à espera da fugacidade do
rever. Abraão iria amar a vida, sua mulher, os filhos, a terra. Terra que ele
buscava na forma de uma promessa.
Curioso descobrir que o primeiro título
de propriedade da terra sonhada por Abraão foi conseguido para sepultar Sara,
sua princesa. Makpelá era o nome do
lugar. Mais uma vez o passado, que faz das estórias de amor, histórias de vida.
E assim como acontece na morte, é preciso invocar a ausência para fazer o
coração bater mais forte e, às vezes, até sorrir.
Invocar a ausência; chamar pelo nome;
silenciar; chorar/sorrir. São coisas que fazem o amor, que provocam a busca, a
procura; coisas que nos tornam itinerantes no encontro de uma promessa, por
vezes escondida no passado, perdida no futuro, e quase sempre silenciosa no
presente. Quem lida com as coisas do coração está sempre na iminência
de desacreditar que um dia será descoberta a fórmula que desperta o amor.