domingo, 18 de abril de 2010

A Lua, o Pentecostes e o Entardecer

O tempo traz consigo seus encantos. Há alguns que são especiais. Para mim, há uma mística toda especial nas relações de tempo. Contece, por exemplo, em todos os entardeceres: já reparou que o entardecer é um encontro? É um abraço de dois infinitos...a luz do dia que se despede e a escuridão da noite que se aproxima. Trata-se de um encontro especial com um colorido que só se pode alcançar na união da noite com o dia.

Outra magia revela que os entardeceres nunca são iguais. Em alguns, o sol parece fazer um pouco de manha para ir embora; insiste em ficar, como que para dizer adeus. Em outras ocasiões, o entardecer é nostálgico, fazendo lembrar o dia que foi, trazendo saudades que à luz da partida ficam ressaltadas.

De certo era bem curiosa a vida dos antigos astrônomos que nos séculos medievais olhavam para a linha do horizonte tentando descobrir onde se escondia o sol todas as noites. Aliás, perseguir o infinito não é especialidade da ciência. Sabe-se, por exemplo, que a luz do sol é muitas vezes maior que a dimensão do planeta terra, de modo que mesmo em sua rotação planetária, deveria ficar sempre iluminado pelo astro solar.

Mas um dia alguém inventou a noite, contrariando todos os cálculos possíveis. Como não sou cientista é bem possível que alguém me apresente razões para a existência da escuridão. Mas aos teólogos as razões não importam, vale mais a poesia; e é bem provável que Deus tenha criado a noite só para dar o espetáculo do entardecer.

Existem pessoas que são semelhantes ao anoitecer. São belas e se tornam ainda melhores num encontro com alguém. Por isso, Aristóteles ensinava que a amizade é a arte de se fazer deuses. Encontrar alguém é produzir a beleza de uma reunião de infinitos.

Faz tempo, muito tempo que em um entardecer de primavera surgiu um colorido especial. No Concílio de Nicéia, no século IV d.C., ficou decidido que a Páscoa, festa maior do cristianismo, seria sempre celebrada no primeiro domingo após a lua cheia que segue o equinócio de Primavera. Um equinócio é um fenômeno natural: registra uma igual duração do dia e da noite.

No ano há duas ocorrências: a primeira em março e a segunda em setembro. Como a primavera no Oriente ocupa a primeira parte do ano, a Páscoa é sempre celebrada em meados de março e abril, pois o equinócio oriental de primavera ocorre por volta de 21 de março.

Esta é a razão pela qual a Páscoa não tem uma data fixa como o Natal. É preciso aguardar a visita da lua após um entardecer perfeito...o encontro do infinito.

Cinquenta dias após a Páscoa é celebrado o Pentecostes. Para os cristãos trata-se da vinda do Espírito Santo; não sem antes ouvir a Lua. E pensar que tudo nasce de um entardecer!

Curioso que uma das mais importantes festas do cristianismo não nasceu de uma verdade categórica. Primeiro veio a luz com sua alegria abraçar a escuridão em seus mistérios; depois o entardecer que consegue oferecer o maior de todos os espetáculos: a perfeita visão da lua. Ouvindo a lua e suas estrelas, os cristãos celebram a Páscoa, o Pentecostes e tudo se faz em festa na forma de poesia, como escreveria Olavo Bilac, na quadra XIII do poema Via Láctea...

"Ora direis ouvir estrelas! Certo perdeste o senso!
 E eu vos direi, no entanto,
 Que, para ouví-las, muita vez desperto
 E abro as janelas, pálido de espanto...

 E conversamos toda a noite, enquanto
 A via láctea, como um pálio aberto,
 Cintila, e, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
 Inda as procuro pelo céu deserto.

 Direis agora: tresloucado amigo!
 Que conversas com elas? Que sentido
 Tem o que dizem, quando estão contigo?

 E eu vos direi: amai para entendê-las!
 Pois só quem ama pode ter ouvido
 Capaz de ouvir e de entender estrelas".

Paulo Roberto Pedrozo Rocha