domingo, 25 de abril de 2010

Porque a Vida não Basta!

– Que horas são? Perguntou Pessoa.

É quase meia-noite, respondeu Álvaro de Campos, a melhor hora para encontrá-lo, é a hora dos fantasmas.

Por que veio? Perguntou Pessoa.

Porque, se você se for, temos algumas coisas a nos dizer, respondeu Álvaro de Campos, eu não sobreviverei a você, partirei em sua companhia, e antes de nos lançarmos na escuridão temos algumas coisas a nos dizer.

O diálogo acima foi transcrito da obra Os três últimos dias de Fernando Pessoa, uma ficção escrita pelo italiano Antonio Tabucchi retratando a morte do poeta português e os três últimos dias de sua vida, quando este recebeu a visita de seus três heterônimos: Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis.

A ficção é sempre fascinante porque é capaz de colocar a verdade em segundo plano. É bom, às vezes, não ter que se preocupar com a verdade; o problema é que os homens fizeram dela olhos perturbadores que estão em todo lugar a cobrar de nós a coerência a todo instante.

Penso que seria muito melhor se vivéssemos em um mundo menos verdadeiro e mais sincero. Isso mesmo, sinceridade nada tem a ver com a verdade. Há pessoas que são notórias por dizer a verdade, em todo tempo, sem se importar com os estragos que esta verdade irá provocar. Não são sinceras.

A sinceridade é algo mais sublime. Olha para o outro antes de mais nada e torna doces as palavras. Os apaixonados são sinceros, não necessariamente verdadeiros.

Voltando ao texto, quando Fernando Pessoa recebe a visita de Álvaro de Campos ele pergunta sobre a razão do encontro. Pessoa em breve iria morrer, está é a trama do diálogo, e, Álvaro de Campos sabia que não sobreviveria a tanto, morreria junto pois era a expressão do desejo do outro: "...partirei em sua companhia..."

Quando se é a expressão do desejo de alguém perde-se a capacidade de sobreviver. A ficção conta que após ter dialogado com seus três heterônimos, Pessoa morreu. Dá a ideia de que a morte é algo que só vem quando a vida está completa. Estranha sensação porque há outros momentos em que a vida parece estar completa e a morte é o menos desejado deles.

Quando se ama, por exemplo, sente-se a impressão de que a vida está completa. Nada mais interessa, só o amor. Talvez seja por isso que a história de Romeu e Julieta cause tanto fascínio nos apaixonados: um amor coroado pela morte.

Os poetas são de outro tipo: incompletos. Não se pertencem, são do outro que se chama poesia, a arte de encantar com o entudiasmo dos olhos. Seduzir pela palavra, retórica, o não-poder.

Há algo que me fascina na literatura. Chamo de magia, magia das palavras. O literato é um mago das palavras. O mago prova desta magia antes de todos e a partir daí passa a enfeitiçar os demais...é isso que a literatura nos dá...um pote de magia.

"Está na hora de partir, é hora de deixar esse teatro de imagens que chamamos de nossa vida. Se soubesse as coisas que vi com os óculos da alma, vi os contrafortes de Órion, lá no alto do espaço infinito, andei com estes pés terrenos pelo Cruzeiro do Sul, atravessei noites infinitas como um cometa reluzente, os espaços interestelares da imaginação, a volúpia e o medo, fui homem, mulher, velho, menino, fui o plácido Buda do Oriente, do qual invejamos a calma e a sabedoria, fui eu mesmo e os outros, todos os outros que podia ser, e tudo porque a vida não basta..." (F. Pessoa)

Este é o nosso pote de magia...

Paulo Roberto Pedrozo Rocha